17 Nov 2023

Como o pó de cortiça pode ser solução para remover poluentes das águas

Investigadores da Faculdade de Ciências do Porto criam método que permite a transformação sustentável de resíduos da indústria da cortiça para tratamento de águas residuais.

Um setor-chave da economia portuguesa - Portugal é o maior produtor mundial de cortiça, com 50% de quota da produção mundial -, a cortiça é também uma das indústrias com maior potencial de sustentabilidade ambiental, já que praticamente toda a matéria-prima é utilizada e quase não existe desperdício. Além das típicas rolhas, também os derivados da cortiça são aproveitados em diferentes produtos, de pavimentos a isolantes ou artigos decorativos, entre outros. Nos laboratórios do LAQV-Requimte, unidade de investigação associada à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, está a ser testada uma nova utilidade deste material, aproveitando os resíduos da indústria, especificamente o pó de cortiça, para criar um método mais sustentável e económico de tratamento de águas residuais.

No que diz respeito a materiais naturais, a cortiça é destacada como uma das opções mais amigas do ambiente. A sua extração da casca do sobreiro não causa danos às árvores e o seu processo de regeneração permite até um aumento da captura de CO2, o que faz das florestas de sobro enormes sorvedouros de dióxido de carbono. Também os desperdícios gerados na transformação de cortiça podem ser reciclados e ganhar novas utilizações. Como é o caso do pó, que pode produzir impactos ambientais negativos se for depositado indevidamente em linhas de água ou no solo.

Anualmente, a nível mundial, são geradas 50 000 toneladas deste resíduo, o correspondente a cerca de 25-30% da cortiça processada. Esse pó "tipicamente é queimado", mas uma equipa liderada pelo investigador Carlos Granadeiro está a utilizar o potencial adsorvente do pó de cortiça para a remoção dos principais poluentes presentes em águas residuais, no âmbito do projeto de investigação Corkcatcher, que conta com financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Para isso, os investigadores verificaram que é possível "adicionar propriedades magnéticas a este pó para fazer com que ele seja uma solução eficaz na retenção de alguns dos poluentes mais preocupantes encontrados nas águas residuais", acrescenta Carlos Granadeiro, sublinhando que o tratamento de águas é um dos maiores desafios à escala global, já que são depositados diariamente cerca de dois milhões de toneladas de resíduos nas águas, em todo o mundo.

O objetivo é que os resíduos da cortiça funcionem como uma esponja que vai filtrar nos seus poros os poluentes encontrados nas águas. Mas, para isso, primeiro é preciso tornar esses poros acessíveis. "O pó da cortiça é um material extremamente interessante, visto possuir porosidade (cavidades que podem acomodar os poluentes de águas), mas a sua porosidade não é acessível, isto é, não há uma passagem do exterior até aos poros".

Assim, o processo passa por "aumentar os poros deste pó", através de um método de síntese, uma pirólise (combustão a altas temperaturas num ambiente com um gás inerte), explica o investigador. Quanto maiores os poros, maior a capacidade de armazenar esses poluentes.

Entre estes, as três classes mais alarmantes, diz Carlos Granadeiro, são os iões de metais pesados, "que por serem muito pequenos são facilmente adsorvidos pelas espécies aquáticas e acabam por entrar na nossa cadeia alimentar", os corantes, "muito usados pela indústria têxtil e que acabam por ser descartados para os efluentes", e os antibióticos, "que, para além de serem adsorvidos pelos organismos aquáticos, estão a contribuir para o aparecimento destas bactérias multirresistentes a antibióticos, porque mesmo quando são excretados por nós ou por outros animais mantêm-se ativos e continuam a sua atividade nas águas e nos solos." E esse aumento da proliferação de bactérias resistentes a antibióticos é, como está assinalado pela própria Organização Mundial da Saúde, uma das grandes ameaças globais de saúde para a espécie humana.

Além disso, a capacidade, já comprovada pelos investigadores, de conferir propriedades magnéticas ao pó de cortiça dá-lhe "a grande vantagem de ser facilmente separado das águas, através da ação de íman nas tubagens, evitando passos adicionais de recuperação, como a filtração ou sedimentação, ao contrário do que acontece com os adsorventes tradicionais".

O objetivo dos investigadores é tornar a utilização deste resíduo viável do ponto de vista económico e ambiental. "O elevado interesse na preparação destes materiais derivados de resíduos advém do custo reduzido, da disponibilidade de matéria-prima e da elevada capacidade adsortiva, contribuindo para o desenvolvimento de uma Economia Circular", sublinha.

Para já, o projeto será aplicado na ETAR da própria empresa de cortiça com a qual o grupo de investigação está a colaborar e o objetivo é depois poder "alargar essa implementação a outras ETAR privadas ou públicas".
Fonte: In, DN
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