16 Abr 2024

Prosperar na relojoaria

Paulo Calçada "Sempre disse: se abrisse alguma empresa, seria na terra"

Emigou aos 14 anos, passou pela construção civil até empregar-se numa fábrica de poliamento de peças para relógios, onde esteve durante dez anos. Em 2000, decidiu arriscar e começar um negócio por conta própria, a Calçada SA. Aos 51 anos, Paulo Calçada tem a empresa sede na cidade Le Locle, na Suiça, e conta já com duas filiais, uma na terra que o viu nascer, Louredo e outra em Vila Maior, trabalhando para conceituadas marcas de relojoaria

Estávamos em 1987 quando Paulo Calçada, com 14 anos, chegou a terras helvéticas. O pai já tinha morada no país, tendo-se juntado a restante família ao patriarca ao fim de quatro anos de separação. Após sensivelmente um ano no país, empregou-se na construção civil, mas o trabalho duro e o clima severo motivaram-no a mudar de ares, encontrando novo emprego numa fábrica de polimento de peças para relógios.

"Tinha terminado a escolaridade obrigatória quando emigrei, sendo objetivo inicial continuar a estudar. No entanto, as necessidades fizeram com que tivesse de ir trabalhar e, aos 15 anos, comecei, como aprendiz, na construção civil, nos andaimes. Aos 17 anos, como havia muito ruído e trabalhávamos ao ar livre, ao frio, decidi mudar de área e consegui trabalho numa pequena empresa de polimento de relógios", diz Paulo Calçada. Após o primeiro contacto com a área da relojaria, percebeu que tinha encontrado a sua paixão. Em apenas três anos, passou a ser chefe de equipa. "Costumo dizer que esta profissão é como o fado: ou se gosta ou não. E sempre adorei. Daíter começado aos 17 e aos 20 já ser responsável pela equipa".

Durante dez anos dedicou-se ao máximo às funções, trabalhando largas horas diárias, o que lhe provocou uma certa fadiga e fez-lhe ter perceção de situações com as quais não estava de acordo, dado que tinham influência direta no próprio trabalho. "Os aprendizes não permaneciam muito tempo na empresa, então era complicado formar profissionais para depois irem trabalhar para outras empresas", explica.

Devido à dinâmica do mercado laboral, surgiam-lhes outras propostas financeiramente mais vantajosas, que acabavam por aceitar e fazer com que Paulo Calçada e os colegas tivessem de dar formação a novas pessoas e depois trabalharem mais algumas horas para retocar peças. Por este motivo, o empresário, natural de Louredo, decidiu lançar-se no mercado de forma independente, abrindo a própria empresa. "Em 2000, decidi começar a trabalhar por conta própria, apesar de não ser muito fácil começar um negócio, sobretudo no estrangeiro e sendo muito jovem. Tinha clientes que me perguntavam se tinha mesmo uma empresa e como era possível ser polidor independente tão jovem".

Empresa Calçada SA

Em 2000, Paulo Calçada embarcou na aventura de ser empresário a solo e, aos poucos, começou a construir uma rede de clientes de confiança. Inicialmente, empregou a esposa e o irmão, constituindo uma empresa familiar na Suíça. "Acabei o primeiro ano de ativi- dade com quatro colaboradores. Mas a paixão fez com que batalhasse muito e conseguisse arranjar alguns clientes. Em 2006, dei um grande pulo, ao assinarmos contrato com uma grande marca mundial. Aumentámos o nível de produção e foi necessário mudar de instalações para absorver o volume de encomendas", conta.

Instalada em Le Locle, a Calçada SA localiza-se na região que é o centro de diversas marcas, como a Montblanc, Tissot, Tag Heuer, entre outras. Sendo a Suíça uma referência no mercado da relojoaria, a concorrência é feroz, contudo, nada que tivesse impedido a empresa de Paulo Calçada de colher frutos. Rolex, Cartier, Omega, Ebel, Frank Muller e Breitling são clientes em carteira. "A área da relojoaria é muito competitiva na Suíça, sobretudo na zona onde estamos, que é muito industrial e por isso há muitos parceiros; várias empresas a fazerem o mesmo. Mas costumo dizer que a qualidade nos distingue. É o que exigimos em cada peça. E também é preponderante o cumprimento das datas de entrega. Os preços são variáveis importantes, só que o cliente não se importa de pagar mais se o serviço for de qualidade. Se um dos dois primeiros parâmetros falhar, não iremos longe", defende.

Com mais de 20 anos de know-how, a Calçada SA é reconhecida pelas principais marcas da alta relojoaria, "respeitando o alto padrão de qualidade das mais prestigiadas marcas". Especializada no polimento de braceletes, caixas de relógios e peças de bijuteria, a empresa, atualmente, já conta com mais duas unidades fabris no Concelho, uma em Louredo (180 empregados) e outra em Vila Maior (60 empregados).

Prémio Empreendedorismo Inovador da Diáspora Portuguesa

Paulo Calçada colocou um anúncio num jornal nacional a agradecer aos colaboradores o trabalho desempenhado ao longo dos primeiros dez anos de atividade, o que chamou à atenção da embaixada. "A embaixada entrou em contacto comigo, a propósito de um prémio dirigido à diáspora portuguesa, com patrocínio do Presidente da República". Esta iniciativa, promovida pela COTEC Portugal, tem como objetivo central o de premiar e divulgar publicamente cidadãos portugueses que se tenham distinguido pelo seu papel empreendedor, inovador e responsável no contexto das respetivas sociedades de acolhimento e que constituam exemplos de integração efetiva nas correspondentes economias e de estímulo à cooperação entre Portugal e os respetivos países de acolhimento. Ora, nesse ano, o feirense recebeu o 'Prémio Empreendedorismo Inovador da Diáspora Portuguesa', o que lhe abriu as portas em território nacional para colocar em prática o seu empreendedorismo. "Expliquei a um cliente o que estava em causa e disse-me que precisava de um projeto em Portugal, na área da relojoaria. Fiz, apresentei-lhe, em junho, e registei a empresa no mês seguinte, em Louredo".

"A filial exigiu muito esforço e sacrifício pessoal. Mas sempre disse que se abrisse alguma empresa, seria na minha terra. No entanto, embora haja formações disponíveis em polimento em Portugal, como em Águeda e Albergaria-a-Velha, é em puxadores e torneiras, o que não é o mesmo que um relógio. É um acessório mais sofisticado, que envolve uns bons montantes, por isso exige um acabamento perfeito", prossegue.

A formação de cada funcionário dura cerca de meio ano, o que levou Paulo Calçada a desdobrar-se entre os dois países, para orientar a formação dos colaboradores e gerir intermediações. O aumento do número de encomendas, mais tarde, despoletou a criação de um novo espaço, desta feita em Vila Maior. "Em 2019, os funcionários já não cabiam na empresa, então tive de abrir outra em Vila Maior. Mas nunca pensei chegar ao patamar atual. Quando comprei [em Louredo], nunca pensei atingir os 100 funcionários", admite.

Ambas as filiais em Portugal são completamente autónomas, embora haja sempre ligação com a 'casa-mãe'. "O know-how permite-nos ter capacidade para produzir em qualquer parte do mundo. A qualidade do material que sai das empresas portuguesas é igual à da Suíça. Fazemos tudo em conformidade nos dois países", garante.

Nos três espaços, são polidos diariamente milhares de componentes metálicos de relógios, como fechos, braceletes e caixas, além de fazerem acabamentos específicos, exigidos por cada marca, como relevos e gravações.

Assim como em Louredo e Vila Maior, também na Suíça, a grande maioria dos trabalhadores são portugueses, porque tem confiança na qualidade do trabalho e através da sua experiência de vida sabe "que dificilmente são as grandes empresas que vão integrar os emigrantes". "Por isso, aqui podem adquirir conhecimentos e integrarem- -se no mercado de trabalho".

Dos relógios à joalharia e marroquinaria

Paulo Calçada expandiu o negócio à joalharia, estando atualmente a entrar na comercialização de marroquinaria (carteiras, malas, cintos...), nas empresas portuguesas. "Não focamos só nos relógios porque vi uma oportunidade de negócio e quanto mais for diferenciada a nossa profissão, mais hipóteses temos de sobreviver ou ultrapassar as crises. Nunca haverá uma quebra radical nas três áreas em simultâneo", justifica.

Aos 51 anos, assume que o desafio atual "é conseguir conciliar a qualidade em grande volume", o que requer que continue a estar envolvido no negócio nos dois países, em permanentes viagens de trabalho. "Como todo o emigrante, tentamos regressar ao nosso país. Tenho três filhos, dois são adultos e trabalham na empresa, o mais novo só tem dez anos. Em contrapartida, já tenho dois netos (de cinco e dois anos) e é normal que o nosso desejo passe por estarmos todos juntos em Portugal. Contudo, com a sede da empresa na Suíça, torna-se tudo complicado".

Embora as raízes estejam em Portugal, elogia o país onde teve a oportunidade de crescer pessoal e profissionalmente. "A qualidade de vida que o país oferece é muito boa. É tudo muito bem estruturado e tem boas medidas de impostos. Se tivesse ficado em Portugal, penso que não teria o que tenho hoje", afirma, apontando o dedo apenas ao setor da saúde. "Depois da Covid-19, tudo se complicou. É obrigatório ter um médico de família, mas temos de ir a um hospital do cantão, em vez de irmos ao da comuna, o que faz com que esteja sobrelotado. O sistema não está como antigamente, que era top. Pagamos muito pelo seguro de saúde e para o serviço que temos atualmente, não corresponde ao valor".

Quanto às perspetivas de futuro, são uma incógnita, "até porque, de momento, o mercado está estagnado", no entanto, revela que há projetos de expansão em equação. "Tenho o 'bichinho' dentro de mim sempre a moer... um empresário não consegue parar".



Fonte: In, Correio da Feira
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