11 Set 2017

Luís Onofre "Horas extraordinárias são taxadas de forma injusta em Portugal"

O calçado, cujas exportações estão a crescer 6%, criou 9000 empregos desde 2010. Teria criado mais se houvesse mão de obra, garante Onofre.

Quatro meses depois de assumir o cargo de presidente da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), Luís Onofre, na sua primeira entrevista, faz o balanço da campanha de atração de jovens para a indústria e das prioridades de futuro do setor.

O calçado português continua a ser o mais sexy da Europa?
Claro que sim. O calçado português tem-se afirmado de uma forma muito imponente. Não nos podemos esquecer que somos um dos países mais pequenos na Europa e que temos um setor que é reconhecido como um dos principais no mundo a nível de qualidade e design. Claro que ainda temos muito a fazer ao nível das marcas e, uma das minhas prioridades, é ajudá-las a conseguir esse protagonismo forte a nível mundial.

Como?
Temos várias ações programadas para isso, como a dos Estados Unidos, um mercado onde vamos entrar em força. Este é o mercado onde todas as marcas de luxo têm a sua maior representação. É por aí que temos de começar.

Mas os dados de 2016 mostram que se agravou o fosso entre o calçado português e o italiano. Estamos a perder terreno?
Não. As exportações cresceram 6% no primeiro semestre, o que é um bom indicador. Em termos de preço médio, eventualmente o estilo de calçado que tem sido procurado em Portugal não é o mesmo que fazem os italianos. E o made in Italy facilita muita coisa.

A marca made in Italy tem um peso ainda tão diferente em relação à nossa?
No aspeto das marcas, sem dúvida. Porque uma coisa é o que é fabricado em Itália e outra é uma marca italiana. Muitas delas vêm cá fazer os sapatos. Daí a nossa aposta em conseguir que as marcas portuguesas tenham o reconhecimento que merecem. Para que não sejamos, unicamente, os obreiros de luxo das grandes marcas internacionais. Se temos esse know how, temos de o aproveitar para fazer uma marca própria. Esse é o meu objetivo pessoal e espero que a indústria também o entenda. Independentemente de fazer algo para outras marca, e que é salutar porque, também, se aprende muito com isso, devemos ter uma marca. É importante termos algo nosso, que represente o nosso ADN, a nossa filosofia de design e de qualidade. Isso é uma mais-valia para a indústria.

E a que se refere quando fala num estilo de calçado diferente?
A fileira do calçado em Portugal é enorme e variada. Por exemplo, a nível desportivo seremos, provavelmente, dos melhores do mundo. Tal como nos distinguimos no calçado de segurança. A apostar no segmento de luxo, ainda há poucos.

A Indústria 4.0 foi uma das prioridades que elencou quando tomou posse. Como vão ser canalizados os 49 milhões de euros que têm disponíveis?
Esse é o investimento global, até 2020, e que abarca diversas realidades, como a inovação, com o desenvolvimento de novos materiais e de novos equipamentos, mas com um grande foco na área digital, não só para a criação de lojas online, mas também dando particular atenção à comunicação e ao marketing digital. Esse roteiro para a economia digital, e que designamos por FooTure 4.0, está a ser, ainda, ultimado, porque quisemos ouvir os empresários e as suas ideias e estamos, agora, a incorporar as propostas recolhidas na reunião do Conselho Consultivo que promovemos em Guimarães.

As empresas estão a aderir bem à 4ª revolução industrial?
Já há muito trabalho feito. Casos como a Kyaia, que é capaz de ser a empresa mais moderna do mundo numa lógica de produção costumizada, ou a ToWorkFor, que tem feito coisas extraordinárias. Há uma série de empresas que já estão na vanguarda da tecnologia. Mas queremos ir mais além e, por isso, envolvemos mais de 50 entidades, entre centros tecnológicos e instituições científicas, e outras tantas empresas no desenvolvimento do projeto. Só nesta primeira reunião do Conselho Consultivo da APICCAPS estiveram 52 pessoas representadas.

O Conselho Consultivo vai ser composto por quantas pessoas?
Cerca de 60, mas a ideia é não ter um número fixo. Se houver alguma empresa de que nos possamos ter esquecido, e que possa dar um contributo válido para a opinião geral, será sempre bem-vinda.

Como é que vai apoiar a expansão das marcas?
Os associados da APICCAPS já têm, atualmente, apoios em matéria de comunicação. Na criação de um catálogo, nas sessões fotográficas, etc. Agora vamos começar a apoiar o desenvolvimento de campanhas digitais, a criação de lojas virtuais, colocando à disposição das empresas uma série de ferramentas. Mas isso será anunciado para a semana.

As divergências eleitorais estão sanadas? Que balanço faz destes quatro meses à frente da associação?
Estão sanadas, sim, e todos encaramos isso com desportivismo. Quanto ao mandato, já fizemos algumas coisas interessantes, como a campanha para conquistar jovens ou a conferência de design, que organizamos em parceria com a ANIVEC [Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção] e a AORP [Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal], e em que trouxemos cá a Rania Masri, da Level Shoes, do Dubai, que é só o único centro comercial de calçado de luxo do mundo.

E veio visitar empresas?
Sim, e, agora, esperamos que isso tenha continuidade para a semana, na Micam, onde contamos que os compradores dela visitem já uma série de empresas portuguesas. Este tipo de networking precisa de ser feito. Tal como as parcerias com outras associações, tudo isso é uma mais-valia. Por exemplo, para o ano, vamos organizar em Portugal o Congresso da União Internacional de Técnicos da Indústria do Calçado (UITIC). Vamos receber mais de 400 técnicos internacionais. A última vez que o fizemos foi há 20 anos.

Desde então a indústria mudou muito…
Imenso. Há imensas startups, criaram-se nove mil empregos só desde 2010… e a tendência é para crescer. Infelizmente, só não aumentamos mais porque os jovens ainda não querem aderir. Esperemos que, com esta campanha – "Captar uma nova geração de talentos” – isso possa ser contrariado.

Há falta de mão de obra?
Muita. Esse é o nosso grande problema, há défice enorme nessa área. As pessoas que temos são poucas o que nos obriga a recorrer a horas extraordinárias, e temos até tentado sensibilizar o Governo para que as horas sejam um prémio para os funcionários e não taxadas da forma injusta que são.

Injusta?
Estamos todos de acordo, mesmo a nível sindical. Se as horas continuarem a ser taxadas desta forma injusta os funcionários não as querem fazer e eu tenho de os compreender. Espero que haja uma sensibilização nesse sentido, é algo em que o Governo devia pensar.

Em que medida?
Criando uma benesse fiscal para as horas extraordinárias. Todos íamos ganhar com isso, incluindo a economia portuguesa.

E como está a correr a campanha para os jovens?
Temos visitado as escolas secundárias para lhes dar a conhecer como se faz um sapato e a nova realidade da indústria, que é atrativa e onde têm um emprego quase garantido. E os jovens ficam sempre muito entusiasmados. Além disso, lançamos uma série de cursos no centro tecnológico, em áreas como o design, a qualidade, o digital ou o marketing. E tivemos cursos nos meses das férias para os jovens que queriam dar os primeiros passos nesta indústria.

E a nível superior?
Eu tenho uma ligação muito especial com a Academia de Design, que foi onde estudei, e vamos fazer todos os esforços para tornar esta escola uma referência a nível mundial. Desde ir buscar professores internacionais, a fazer parcerias com universidades internacionais para cursos superiores de design em calçado. Há muitas ideias que estão na calha, inclusivamente ter pessoas de Belas Artes a dar cursos na Academia de Design. Estou a tentar colmatar aquilo que me fez falta quando tirei o curso. Este intercâmbio é uma coisa importante. Têm vindo muitas pessoas de França fazer uns mini-cursos e temos trazido os próprios compradores de marcas internacionais a perceberem como é feito o sapato para darem valor ao produto. As pessoas dizem que os sapatos são caros, mas mas não percebem tudo o que isto envolve. Um molde, por exemplo, pode custar três mil euros. Multiplique esse investimento por cinco ou seis tamanhos. Sem falar no preço das matérias-primas. E no peso do marketing, que representa 30 ou 40% do preço. E nisto incluo as participações em feiras, os anúncios, as agências de comunicação, as campanhas, etc. Comunicar as coleções é um investimento enorme.

O Governo tem apoiado devidamente a indústria e, em especial, o calçado?
Este Governo que tem sido incrível, nomeadamente o Ministério da Economia que tem tentado ajudar no que precisamos. Há uma química grande entre o Governo e a APICCAPS em várias áreas.

A substituição de João Vasconcelos por Ana Lehmann teve implicações?
Andei a estudar com a Ana Teresa, conheço-a bem. É uma mulher de armas e tem um potencial enorme. É uma pessoa interessada e conhecedora. O cargo está bem entregue. Tal como estava ao João Vasconcelos, mas não quero comentar a sua saída.

Esta é uma indústria que partilha efetivamente o seu sucesso com os trabalhadores?
Quando uma empresa está bem e tem resultados positivos, temos toda a legitimidade para dizer que comparticipamos os benefícios com os nossos colaboradores. Claro que umas empresas terão mais, outras menos. Mas há o fator produtividade que é um problema em Portugal. O país podia ser mais produtivo em todos os aspetos. Essa é uma das grandes vantagens dos italianos. Têm um salário superior, mas também a produção é muito acima da nossa.

Está a dizer que devíamos trabalhar mais?
Devíamos trabalhar melhor e, em último recurso, devíamos trabalhar mais. Claro que a culpa da falta de produtividade não é só dos trabalhadores, passa, também, pela organização dos próprios empresários e, eu por mim falo, que também tenho alguns défices nesse aspeto. Mas tem a ver, também com logística, com a sazonalidade do setor. Temos de entregar toda a produção de inverno em julho e agosto e, até entrar a nova época, temos um período morto muito grande. Em contrapartida, nas alturas de grande trabalho, não conseguimos responder às encomendas com o horário normal de trabalho. Daí as horas extraordinárias.

Há muito absentismo?
O absentismo é enorme. E, numa linha produtiva, se falta uma pessoa, a produção pode parar toda. Imprevistos acontecem, é certo, mas o absentismo nos homens é quase zero e muito grande nas mulheres.

Em termos de mercados, os Estados Unidos são a grande aposta?
Sim. Sendo uma incógnita, atendendo às políticas mais recentes, esperamos que o livre comércio prevaleça. O mercado americano é, sem dúvida, aquele que aprecia as coisas boas feitas na Europa e essa é a nossa motivação para irmos com força para os EUA, com uma campanha forte, mas não queria revelar muito. Só que será algo impactante. É agora ou nunca.

Quando?
No final de 2018. Ainda estamos a fazer estudos de mercado e a decidir onde vamos fazer as ações específicas. Inclusivamente, pensamos propor uma feira nos EUA, em Nova Iorque ou Los Angeles, e os nossos companheiros italianos já estão de acordo connosco. Seria algo só dedicado ao calçado de luxo.

Porquê realizar uma feira nos EUA?
As que existem não são expressivas naquilo que queremos apresentar, queremos um certame mais vocacionado para as lojas de luxo e os department stores, algo com uma dimensão mais pequena, mas muito focada em determinados pontos de mercado. Estamos a auscultar as restantes associações europeias para uma ação concertada, porque ganhamos escala. Mas, se não houver entendimento com as outras associações, teremos de avançar individualmente. O que está em cima da mesa é que o possamos fazer, pelo menos com os italianos. Vamos ver.

Fonte: In, AICEP
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