21 Jun 2017

“Fundos do Portugal 2020 estão a ser desviados para despesa corrente”

"Os fundos comunitários estão muitas as vezes a ser usados para alimentar a máquina do Estado, aliviar o Orçamento de Estado, o que permite investimentos e diria até um certo enviesamento da missão dos fundos estruturais”, afirma Emídio Sousa. O presidente da Área Metropolitana do Porto entende que "este é o ‘timing’ certo para se fazer uma reprogramação” dos fundos comunitários, defende Emídio Sousa.
 
Vida Económica - Quais são os principais desafios que se colocam à Área Metropolitana do Porto? 

Emídio Sousa - Um dos principais desafios num futuro próximo será o assumir de novas competências porque está em curso todo um processo de descentralização de competências que o Governo está a desenvolver. Um dos diplomas atribui novas responsabilidades à Área Metropolitana do Porto e até põe a hipótese de uma eleição direta dos futuros órgãos.

Outro grande desafio é mantermos todo este desenvolvimento, toda esta competitividade do território. A Área Metropolitana do Porto tem vindo a crescer, está a ter uma nova dinâmica, muito impulsionada pelo turismo, o que penso que faz de nós hoje em dia um dos principais pólos de desenvolvimento e atração do território. Mas eu julgo que não podemos ficar excessivamente dependentes do turismo, dada a nossa fortíssima tradição industrial. A Cintura Industrial do Porto (que engloba a Maia, a Feira, Gaia, São João da Madeira, Paredes…) tem setores tradicionais muito desenvolvidos que precisamos de manter, porque são fatores de grande crescimento e competitividade. Portanto, esta competitividade territorial, toda esta vocação industrial já com dezenas de anos, deve ser mantida.

 Alimentar a "máquina do Estado”

VE - Não há o risco de os fundos comunitários estarem a ser desviados para alimentarem o Orçamento de Estado? 

ES - Claramente. Neste quadro comunitário, que já vem do anterior governo, muitas daquelas apostas que são feitas servem para alimentar a máquina do Estado (o Instituto de Emprego e Formação Profissional, a Segurança Social, etc.). Muitas destas verbas estão a alimentar a máquina. É por essa razão que muitas vezes o défice diminui, porque a despesa do Estado passa a ser financiada por fundos comunitários, quando eu acho que é fundamental que os fundos tenham uma componente social. Mas, de facto, tem toda a razão no que está a dizer. Os fundos comunitários estão muitas as vezes a ser usados para alimentar a máquina do Estado, aliviar o Orçamento de Estado, o que permite investimentos e diria até um certo enviesamento da missão dos fundos estruturais.

Os fundos estruturais são para os territórios que têm um menor desenvolvimento, como é o caso da Região Norte. Com estas formas ardilosas de desviar os fundos para a despesa do Estado central, estamos a tirá-los das regiões, a substituir o Orçamento de Estado em termos de receita, e, depois, o Orçamento de Estado é aplicado onde o Governo quer. Portanto, sendo, por exemplo, a Região Norte uma região de convergência, é por isso que Portugal tem uma determinada quantidade de fundos. Quanto o Estado se apropria destes fundos para financiar a máquina do Estado, tem aí uma nova receita, quando quem deveria financiar essa despesa seria o Orçamento de Estado. E é, no fundo, uma forma de desviar os fundos das regiões onde eles deveriam ser aplicados para outros sítios, que, normalmente, nós sabemos quais são.

VE - E o desvio acontece logo de início ou é posterior? Porque, por exemplo, no QREN, havia parte dos apoios às empresas que era reembolsável, e os reembolsos são feitos, mas não se sabe onde eles vão parar. E também no Portugal 2020, os fundos das empresas são, por essência, reembolsáveis, e também não está definido onde eles vão parar. 

ES - Eu penso que a intenção era fazer uma espécie de roda giratória, em que os mesmo fundos davam para fomentar a economia e vários investimentos. De facto, não sabemos onde é que eles vão parar. O reembolso é reinvestido onde, quando, como? Temos que saber, tem que haver uma explicação. O objetivo desse reembolso é exatamente o reinvestimento. No fundo, é quase um financiamento. Um financiamento em que o promotor reembolsa e esse dinheiro deve servir para novo investimento. É o papel da instituição financeira de desenvolvimento fazer a gestão destes fundos, mas vamos ver o que acontece.

Fonte: In, Vida Económica
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