20 Nov 2020

Empresas que resistem a tudo

Muitas empresas do setor, algumas quase seculares, atravessaram guerras, revoluções, crises económicas.

As crises não são desconhecidas para a esmagadora maioria dos empresários e trabalhadores do setor do calçado. Muitas empresas, algumas quase seculares, atravessaram guerras, revoluções, crises económicas… Ao longo dos tempos, conseguiram superar (quase) tudo. São históricas. Em 2020, numa crise sem precedentes a nível mundial, são vários os empresários que continuam a ser um exemplo de resiliência.

Por Isabel Pinto

A indústria portuguesa de calçado está a viver um dos períodos mais difíceis de que há memória. Com a chegada da pandemia da COVID-19, o setor enfrenta acentuadas quebras de vendas, quer no mercado nacional, quer no mercado internacional. E é exatamente o facto de estarmos perante uma crise global que tudo muda e a torna diferente de outros períodos, igualmente difíceis, na história do calçado nacional. 

Algumas das empresas de referência no panorama português já atravessaram guerras, revoluções e crises económicas profundas. Modernizaram-se, assumiram o seu lugar através da qualidade e diferenciação dos seus produtos e mantiveram-se como uma referência internacional. Mas, e agora? Estarão preparadas para ultrapassar esta pandemia?

A história da Centenário inicia-se em plena II Guerra Mundial. Apesar da neutralidade assumida por Portugal, os impactos económicos e a recessão a nível mundial eram inevitáveis, mas foi a juventude de Camilo Martins Ferreira que ditou o atrevimento. "A vontade de se afirmar como empreendedor superaram todos os receios e preocupações Tinha apenas 17 anos, já com um filho, quando iniciou a sua atividade como empresário”, conta Domingos Ferreira, atual responsável pela empresa. Estávamos em 1941. Quase na mesma altura, apenas quatro anos depois, ainda a Europa se via a braços com a guerra, Manuel de Almeida Jorge decide abrir uma pequena oficina para produzir sapatos, em São João da Madeira. Eram tempos difíceis: "Os empregados só trabalhavam quando havia encomendas e foi a alcunha da família – "Os Marianos” – que serviu para batizar os sapatos que produzia”, recorda Fátima Oliveira, atual diretora executiva da All Around Shoes, que detém atualmente a marca. 

A Centenário, localizada em Oliveira de Azeméis, e a Mariano Shoes são duas das marcas mais antigas em Portugal e a par com várias outras, como a Calçada Lisete, a Armando Silva e a Profession Bottier, têm conseguido vencer as adversidades históricas, políticas, económicas e financeiras ao longo dos tempos. 

O início da história de cada uma destas empresas é em tudo semelhante. Todas são originárias da mesma região, tendo arrancado graças à perseverança de homens humildes que, em pequenas oficinas e com sistemas de produção artesanal, criaram marcas portuguesas de referência nos nossos dias. 

A Ferreira Avelar, hoje conhecida como Profession Bottier, por exemplo, nasce em Santa Maria da Feira, em 1947, pelas mãos de Manuel e António. A comercialização de sapatos era feita, apenas, por encomenda, e só no início dos anos 70 do século passado é que inicia a era da produção em série. Até 1994, altura em que a Ferreira Avelar dá origem à Profession Bottier, pelas mãos da segunda geração da família e com o intuito da internacionalização, a empresa atravessou a Guerra do Ultramar e o 25 de Abril. E se para algumas empresas a passagem da Ditadura para a Democracia foi feita com tranquilidade, para outras a transição foi mais complicada. Numa altura em que "os empresários eram considerados fascistas”, o fundador da Centenário, Camilo Martins Ferreira, foi um dos que "sofreu represálias”. Um momento, recorda Domingos Ferreira, "que o entristeceu bastante, dado que sempre se pautou pela seriedade e dignidade. Era muito humano”.

Em 1974, a Mariano já se tinha assumido como uma marca de referência nacional. "Até ao início dos anos 80, vendia exclusivamente para o mercado nacional e, muitas vezes, tinha dificuldade em responder à procura”, alude Fátima Oliveira.

Com o 25 de Abril, a marca, que já era de referência nacional, observou um crescimento e, até ao início dos anos 80, a Mariano vendia exclusivamente para o mercado nacional, pelo que encontrava muitas vezes dificuldades de responder à procura. Em 1975, um ano após a Revolução dos cravos, e depois de uma ascensão que em 1968 já permitia à empresa trabalhar com máquinas modernas e com um número de trabalhadores na ordem dos 30, a Armando Silva, localizada em São João da Madeira e criada em 1946, produtora de sapatos para homem, transformou-se numa sociedade por quotas, com a entrada de mais um sócio. 

Exatamente a partir de meados dos anos 80 e até ao final dos anos 90, muitas são as empresas que iniciam os processos de internacionalização. A Abílio P. Carneiro & Filhos S.A., conhecida como Calçado Lisete, uma das mais antigas, se não a mais antiga do país, sediada em Santa Maria da Feira, foi criada em 1927, tendo sabido adaptar-se às transformações do setor ao longo dos tempos. Assumindo-se, hoje, como uma empresa de cariz mundial, exporta, desde a década de 80, quase a totalidade da sua produção, depois de se especializar na produção de calçado técnico e calçado outdoor.

Modernização e Inovação
A crise económica que afetou Portugal especialmente a partir de 2008, dando origem à entrada da Troika no nosso país, também implicou mudanças profundas no setor do calçado. Para sobreviver, muitas empresas tiveram de se reinventar, não só em termos de modernização dos sistemas produtivos, mas também na área da inovação e diferenciação do produto, tornando-se numa das principais indústrias exportadoras nacionais e, muitas vezes, apontada como um modelo de competitividade. 

Na Centenário, as adversidades foram sendo ultrapassadas "com resiliência e empenho de toda a equipa, desde a administração, a todos os colaboradores”, defende Domingos Ferreira, valorizando o espírito de equipa: "Vestindo a camisola, sempre procuramos remar para o mesmo lado e, desta forma, mais facilmente se foram conseguindo atingir os objetivos, superar os obstáculos e melhorar preparar o futuro”. 

Agora, com a pandemia da COVID-19, a superação dos empresários está, novamente, a ser posta à prova. "Estamos perante uma crise bem diferente de todas as anteriores, pela sua globalidade mundial”, justifica Domingos Ferreira, realçando que as consequências estão a ser "muito graves para todos os setores” e adivinhando "falências e desemprego”. Na Centenário têm sido adotadas todas as medidas preventivas para evitar o aparecimento de casos de COVID-19, ainda que não se tenha conseguido fugir ao layoff. "As novas encomendas para a próxima época foram atrasadas pelos efeitos da pandemia, o que veio atrasar as encomendas das matérias-primas para podermos laborar normalmente”, explica. 

Na Mariano Shoes, também se fala numa "crise mundial profunda”. E, refere Fátima Oliveira, "se há dois meses achávamos que podíamos retomar alguma normalidade, neste momento estamos expectantes com o que o futuro nos reserva nos próximos meses”.

Para contornar as dificuldades, a Mariano Shoes tem tentado encontrar novas soluções que "passaram pelo lançamento de novas segmentações de produto, o reforço da presença e visibilidade online quer através da nossa loja própria quer de marketplaces”. "Estamos já a planear e preparar o início de 2021, com a execução da coleção de AW e a organização da nossa presença em eventos internacionais”, revela Fátima Oliveira.
"Esperamos que seja debelada a pandemia o mais rápido possível para que o mundo recupere a confiança, a economia cresça e voltemos de novo a poder laborar com normalidade”, deseja Domingos Ferreira.


 

Fonte: In, APICCAPS
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