05 Fev 2018

APICCAPS A indústria mais sexy da Europa

De Paris a Hong Kong, de Nova Iorque à Nova Zelândia, os sapatos desenhados e fabricados em Portugal conquistam os maiores palcos mundiais. A APICCAPS, a associação do setor, agrupa criadores e industriais fabulosos e imparáveis.

O calçado português anda nas bocas do mundo, nas páginas das melhores revistas de moda e nos pés de mulheres como Michele Obama, a rainha de Espanha, Paris Hilton, Penélope Cruz ou Cameron Diaz. Só os italianos conseguem ainda ultrapassar os sapatos portugueses, mas, depois de vencer uma longa batalha contra uma morte várias vezes anunciada, é caso para dizer que não haverá desafio que o cluster do calçado não consiga vencer.

"Com a Guerra do Golfo [1990-1991] houve uma quebra nas exportações enorme. Disseram que o calçado português teria pouco tempo de vida, mas isso nunca se veio a concretizar, acima de tudo pela resiliência e persistência dos industriais", conta Luís Onofre, presidente da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), como introdução à história de uma batalha que durou mais de um quarto de século dentro e fora de portas. No final da década de 1990, os industriais do calçado, uma classe empresarial constituída maioritariamente por pessoas que trinufaram a pulso, tiveram antes de mais de vencer o preconceito nacional, que ditava que o calçado era uma indústria sem futuro, destinada a desaparecer perante os ventos de modernização que chegavam da Europa. Portugal, sinónimo de produção massificada de baixo custo, com uma indústria baseada em fábricas antigas, sem condições de trabalho e mão de obra barata, teve ainda que lidar com a concorrência dos mercados asiáticos e de leste onde os preços podiam descer ainda mais.

As exportações nacionais assentavam na produção subcontratada às fábricas portuguesas por compradores internacionais e nas vendas de grandes fábricas detidas por capital estrangeiro, mas até estes multinacionais como a Rohde, que chegou a empregar 1300 pessoas em Santa Maria da Feira, ou a Ecco acabaram por perceber que Portugal se tornará um país caro. (A Ecco voltou, entretanto, a apostar na produção em Portugal, reinstalando uma fábrica em Santa Maria da Feira.) Aos "sapateiros" nacionais não restou outra saída que não fosse deixar de competir pelo preço, assumindo novas armas: o conhecimento alicerçado na tradição, na sabedoria dos artesãos portugueses, rapidez de resposta, qualidade, design, tecnologia.

Evolução rápida

"A partir do ano 2000 houve um crescimento muito grande das marcas portuguesas, nomeadamente através da internacionalização. Já havia aquela ótica de que tínhamos que optar por outros mercados. Ao mesmo tempo mudámos de produto, de filosofia de marketing, de postura no mercado, passámos a ser mais profissionais na entrega e na resposta ao cliente final."

Portugal tem hoje empresas que estão na vanguarda da tecnologia, criando marcas e tendências que atraem clientes de Paris a Hong Kong, de Nova Iorque à Nova Zelândia, manobrando uma máquina de exportações que rendeu ao país 1950 milhões de euros em 2016. As vendas ao estrangeiro valem 95% do total da produção, que corresponde anualmente a cerca de 82 milhões de pares de sapatos e a uma faturação de 2100 milhões de euros. O setor já não é apenas conhecido pela competência produtiva e passou a ser visto como origem de moda e design, o que tem contribuído para o crescimento do valor produzido: o preço médio de exportação passou de €18 em 2006 para quase €23 em 2012, os últimos dados disponíveis.

Neste processo de afirmação mundial foi relevante o know-how que os empresários portugueses acumularam durante os anos que produziram para as grandes casas internacionais, explica Luís Onofre. Por exemplo, a fábrica da família de Onofre, que mantém o nome da avó do designer, Conceição Rosa Pereira, produzia sapatos clássicos e fazia as coleções da Kenzo e da Cacharel. Quando assumiu o negócio da família, Luís começou quase de imediato a trabalhar numa marca própria. Desenhou os primeiros sapatos em 1993, lançou a primeira coleção em nome próprio em 1999. Hoje fatura cerca de 12 milhões de euros, vendendo 92% da produção para os mercados externos, incluindo a Rússia, Dubai, Nigéria e Mongólia.

Aposta no made in

Ainda que as fábricas portuguesas continuem a produzir para as grandes marcas de luxo mundiais Louis Vuitton, Dior, Givenchy ou Kenzo, só para citar alguns nomes , Luís Onofre defende que os industriais devem "deixar de ser obreiros de luxo e começar a apostar nas nossas marcas, naquilo que é a marca portuguesa feita desde o design à produção". Nesta perspetiva, o setor ficaria a ganhar com a valorização da marca Made In, principalmente se esta identificasse produtos integralmente produzidos em Portugal, "o que não está a acontecer em alguns mercados como Espanha e Itália, que fazem uma parte significativa da produção em países fora da União Europeia". "O consumidor final internacional já percebe que Portugal é símbolo de qualidade e isso é um bom prenúncio para criarmos marcas verdadeiramente internacionais, para criamos supermarcas." Este é, aliás, um dos principais objetivos de Onofre enquanto presidente da APICCAPS. Hoje Portugal vende sapatos para 152 países em cinco continentes, e muitos destes negócios já são feitos em nome próprio.

A Fly London, marca do grupo Kyaia, o maior grupo de calçado português, foi pioneira nesse trabalho de desbravar caminho, tornando-se numa marca internacional. O grupo tem um volume de negócios na ordem dos 65 milhões de euros, com mais de 50% faturados através da Fly London, e exporta, à semelhança do setor, 95% da produção. O que começou por ser a exceção, transformou-se na regra, diz Onofre: "Há uma terceira geração de produtores de calçado com uma nova filosofia cada vez mais virada para a exportação, muitas marcas novas com muita vontade de fazerem algo diferente." Marcas que nasceram para conquistar o mundo, mas que não escondem o orgulho de serem portuguesas.

A Undandy foi criada em Abril de 2015 com o objetivo de vender sapatos personalizados para o mundo. Com 99% das vendas em mercados como os EUA, Alemanha, Canadá ou Austrália, a empresa faturou, em 2015, cerca de 70 mil euros, no ano passado foram 2 milhões e este ano a perspetiva é chegar aos 6 milhões de euros. "É muito importante que os nossos sapatos sejam produzidos em Portugal. A produção de calçado português está entre as melhores do mundo", sublinha Rafic Daud, fundador da Undandy, que baseia o seu modelo de negócio no comércio eletrónico. "Através da condução do nosso negócio online, podemos oferecer um preço honesto para os sapatos feitos por encomenda, artesanais, por termos uma montra global e podermos entregar em todo o mundo", justifica.

A personalização e o comércio eletrónico são a base de muitas das novas marcas que tem surgido em Portugal. A Josefinas, que começou por produzir apenas sabrinas e que alargou o portefólio a sandálias, sapatos, sapatilhas e até malas, também nasceu na internet há quatro anos. A marca teve durante um ano uma loja em Nova Iorque, mas acabou por voltar às origens vendendo apenas através do site.

À conquista dos EUA

Há dez anos o setor assumia-se de forma despudorada como "The sexiest industry in Europe" ("A indústria mais sexy da Europa"), depois de ter respondido pelo slogan "Designed by future". Tendo por trás o logótipo Portuguese Shoes, um e outro slogan foram a base para ousadas campanhas de comunicação com vista a colocar o calçado português nos principais palcos mundiais da moda. Inspiradas na iconografia portuguesa, as campanhas promoveram sempre uma imagem de sofisticação e qualidade, tendo sido protagonizadas por nomes como Sara Sampaio ou Victoria Guerra. Em 2018, a comunicação volta a reinventar-se. Além de sexy, o calçado português quer agora "ser algumas coisas mais", como por exemplo cool.

A nova campanha, que tem como pano de fundo a exuberância da ilha da Madeira, quer mostrar um país cheio de novos talentos, apostando numa linguagem irreverente, orientada para novos consumidores e mercados. O rosto dos Portuguese Shoes são agora Maria Clara, Alécia Morais, Francisco Henriques, Isilda Moreira, João Lima, Maria Rosa e Ricardo Gomes, alguns dos mais relevantes nomes da nova geração de manequins portugueses. A campanha vai mais longe que as anteriores com o objetivo de "transmitir um retrato global de Portugal no exterior". Para isso cruza referências e procura reforçar a ligação a vários setores da economia, como sejam o vestuário, a ourivesaria, o mobiliário ou o turismo. É esta a estratégia para atacar o mercado norte-americano, que hoje é o sexto mercado das exportações portuguesas de calçado.

"Chegámos a uma fase adulta da indústria e já temos capacidade para fornecer os EUA, que é o mais exigente dos mercados", diz Luís Onofre, consciente que a posição que Portugal ocupar num mercado que importa anualmente mais de dois mil milhões de pares de sapatos é essencial para "uma projeção mundial mais abrangente". Isto porque apesar da posição de destaque conseguida na última década é impossível baixar os braços. "Nunca estamos contentes. Não podemos adormecer, até porque o mercado está de novo numa mudança brutal, que nos obriga a acompanhar. Itália e Espanha não estão a dormir e também estão a reagir intensamente a todas estas mudanças."

Mulheres e homens a ganhar o mesmo

Responsável por cerca de 38.600 postos de trabalho (foram criados oito mil em sete anos), a indústria do calçado deu, em 2017, um passo histórico ao prever a igualdade de género nas remunerações, por via do aumento dos salários das mulheres, que tendencialmente se aproximarão das remunerações pagas aos homens. Este e outros exemplos de boas práticas dos industriais portugueses estarão em destaque na vigésima edição do principal congresso mundial de calçado sob o lema "From fashion to factory: a new technological age", que acontece na cidade do Porto em maio próximo. Entretanto, os sapatos portugueses voltarão a ter uma significativa representação na MICAM, a mais importante feira mundial de calçado, que acontece de 11 a 14 de fevereiro, em Milão. por Hermínia Saraiva

Fonte: In, Up Magazine
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